Entradas assassinas. No grande ecrã e nos grandes campos de futebol.
Poucos, muito poucos seres humanos conseguiram tantas vezes alternar entre o vilão e o herói – fosse na vida real ou na ficção, Vinnie Jones atingiu um estatuto lendário nos anos 90 e a Premier League, o Britrock e os revenge flicks nunca mais foram os mesmos depois dele.
Nasceu nos anos 60, em Watford, Inglaterra. O pai, galês, era caçador profissional. A mãe, irlandesa, dona-de-casa.
Cresceu rodeado de armas, peles e carcaças de animal.
Onde entra o futebol, no meio de tudo isto?
Bem, o pequeno-mas-duro Vinnie adorava futebol, embora não tivesse muito jeito para a coisa. Se queria ser alguém no desporto, teria que ser pela garra, dureza e espírito de liderança, porque pés de veludo não tinha certamente.
Com 18 anos, jogava no Wealdstone, um clube semi-profissional, não conseguindo portanto viver do futebol.
Durante 6 dias por semana trabalhava como servente em obras de construção civil e ao Domingo ia descarregar as frustrações para relvados da Sunday League, onde valia (quase) tudo para ganhar partidas.
Só 2 anos depois, já na casa dos 20, é que Vinnie Jones capta as atenções do Wimbledon, clube da Premier League, após uma vitória numa competição nacional para clubes amadores.
Estávamos em 1986, com o futebol inglês ainda a recuperar do hooliganismo e de Highbury, da mão de Maradona e da Guerra nas Malvinas. Todo o contexto era explosivo, tenso, de revolta e violência.
Todo o contexto era perfeito para Vinnie, portanto.
O Wimbledon era um clube do fim da tabela na primeira divisão inglesa, já conhecido pela excessiva dureza que punha em cada lance.
Tudo isto numa era em que todo o futebol inglês era duro, desde as equipas de topo às mais pequenas. O Wimbledon era o Rambo, sim, mas num campeonato de Van Dammes, Bruce Willies e um ou dois Terminators.
Com a chegada de Vinnie Jones, o clube dá um passo em frente (ou será melhor dizermos um tackle em frente?) e entra definitivamente para as páginas da História como uma das equipas mais agressivas de todos os tempos.
Vinnie Jones, Dennis Wise, Dave Beasant e John Fashanu ficaram conhecidos como o Crazy Gang.
Os quatros provocaram incontáveis lesões nos adversários, viram cartões vermelhos sem fim e acabaram com carreiras de colegas. Literalmente – em 1988, Vinnie entrou com tanta violência sobre Gary Stevens, do Tottenham, que o jogador praticamente não conseguiu mais jogar futebol profissional, apenas com 26 anos.
Não era bonito, mas a violência e estilo mais físicos faziam sucesso em Inglaterra, encheram capas de tablóides e colocaram toda a gente a falar do Crazy Gang.
Gary Lineker, conhecido como um dos jogadores mais calmos de sempre, chegou a dizer que “a melhor maneira de ver o Wimbledon jogar é no teletexto”.
Para o bem ou para o mal, no entanto, o Wimbledon conseguiu com este conjunto de jogadores o que ninguém tinha conseguido – ou viria depois a conseguir – no clube: ganhar uma Taça de Inglaterra, em Wembley, frente ao Liverpool.
A carreira de Vinnie Jones dentro do campo continuaria por muitos anos e muitas entradas assassinas a fio, tendo passado por Leeds, Sheffield United, Chelsea e Queens Park Rangers, antes de eventualmente regressar ao Wimbledon, em 1994, ajudando o clube à sua melhor classificação de sempre na Premier League, um 6º lugar.
É verdade que não foram muitos os troféus que venceu, ou os golos que marcou, mas Vinnie Jones não terminou a carreira sem bater alguns recordes.
É, por exemplo, o jogador na História que mais rapidamente recebeu um cartão amarelo. Foram precisos apenas 3 segundos num jogo entre Sheffield e Chelsea para que ele entrasse de forma excessiva sobre um adversário e visse o amarelo.
Banido por vários meses pela Associação Inglesa de Futebol, Vinnie protestou e afirmou publicamente que “a FA devia agradecer-me, porque eu tirei a violência das bancadas e trouxe-a para o campo”.
Quando deixou os relvados, em 1996, a Grã-Bretanha era um lugar diferente.
A Britpop tinha conquistado o mundo. Os Blur e Oasis trocavam hits atrás de hits. Tony Blair era um Primeiro-Ministro descontraído, jovem. O cinema inglês voltava a estar na moda.
Foi a época da Cool Britannia, em que o mundo parecia mais influenciado culturalmente pelos bretões do que pelos norte-americanos.
É neste contexto que nascem filmes como Trainspotting e que começam carreiras de realizadores de culto como Tarantino (este norte-americano), Danny Boyle e Guy Ritchie.
O mundo não sabia, mas estava mais do que preparado para uma avalanche de revenge flicks e de Vinnie Jones no grande ecrã.
Em apenas 2 anos, Jones entrou em filmes com um lugar no panteão da cultura pop como Lock Stock And Two Smoking Barrels, Snatch ou Gone In 60 Seconds.
Fez de jogador profissional que é preso e leva uma equipa da cadeia ao sucesso em Mean Machine. Protagonizou filmes com outros bad boys como Stallone, Schwarzenegger e Danny Trejo.
Tem uma página de Wikipédia que mistura Paul Gascoigne e Brad Pitt. Feitos em Wembley e Hollywood. Finais de Taça de Inglaterra e caçadeiras de canos serrados.
Vinnie Jones é o derradeiro ícone da cultura pop e do revivalismo do final dos 80s e início dos anos 90.