Este homem que foi o capitão de uma equipa chamada wunderteam (a equipa-maravilha, em português), é conhecido como o Mozart do Futebol e aceite pela maioria como o melhor jogador de futebol no pré-2ª Guerra Mundial.
Mudou o jogo para sempre e, no entanto, poucos o conhecem.
Quem foi Matthias Sindelar?
Filho de um artesão de espadas e habituado a jogar nas mesmas ruas que viram Mozart e Beethoven, Sindelar foi um pianista num desporto ocupado por tocadores de bombo. Um jogador de fino recorte técnico e com uma inteligência posicional que não tinha comparação na altura.
Habituado a jogar nos bairros vienenses, por entre a lama e o paralelo da rua, Sindelar brilhou assim que, aos 15 anos de idade, começou a jogar futebol profissional em relvados, contra homens com o dobro da sua idade e do seu peso.
Meisl, o treinador visionário
Nos anos 20 e 30, quase todo o mundo jogava futebol como os ingleses haviam ensinado: pontapé para a frente, força física na batalha pela bola e esforço para a colocar na baliza.
O kick & rush britânico era a única escola de pensamento futebolístico até chegarmos à Áustria de Hugo Meisl, o treinador que haveria de mudar o futebol porque ensinava aos seus jogadores a mover a bola pelo chão (ao invés do ar) e a transportar a bola, em vez de simplesmente a baterem na frente.
Nenhum outro jogador foi mais importante nesta mudança operada por Meisl do que Sindelar. Magro, ágil e com muito medo do confronto físico, Sindelar cedo percebeu que, para vingar num jogo como o futebol dos anos 20, teria de desenvolver sobretudo a sua velocidade e o drible.
Assim o fez, e cedo os vienenses correriam aos milhares para ver Sindelar jogar no seu Áustria Viena, que venceria dois campeonatos e sete taças. Isto fez com que a popularidade do clube crescesse de forma acentuada e se tornasse um símbolo da cidade e principal fornecedor de jogadores para a Wunderteam, a selecção austríaca de futebol.
Passagem de Sindelar pela seleção
Estreou-se pela seleção em 1926, marcando quatros golos em três jogos e impressionando jornalistas, adeptos e adversários. Hugo Meisl, um treinador que gostava de bom futebol, mas também de muita disciplina, castigou Sindelar porque não podia fintar tanto e tinha de passar mais a bola – o jogador não gostou, os dois chocaram e durante quase cinco anos Sindelar não foi convocado para a seleção.
Só em 1931, por uma enorme pressão dos jornalistas austríacos, Meisl recuou na sua decisão e decidiu voltar a convocar o jogador. A partir daí, os dois foram inseparáveis e absolutamente instrumentais nos sucessos do futebol austríaco.
Em 1932, quando se preparava o Mundial de 1934, apenas o segundo da História, a Áustria foi defrontar a toda-a-poderosa Inglaterra em Londres, no Stamford Bridge. Foi, acima de tudo, um confronto de escolas de pensamento: o kick & rush britânico contra o futebol continental, de bola na relva, dos austríacos.
Os ingleses de Herbert Chapman venceram os austríacos liderados por Meisl (4-3), mas para a História ficou a exibição de Sindelar que maravilhou o público e os jornalistas ingleses. Um dos golos do austríaco foi marcado depois de fintar 8 ingleses, desde o seu meio-campo, até meter a bola na baliza.
Estava dado o mote para o futuro do futebol!
Estreia da Áustria no Mundial de Futebol
Em 1934 a Áustria entrava no Mundial de Futebol como um mero adereço competitivo. A Alemanha, França, Hungria, Itália e Checoslováquia eram as favoritas num mundial disputado por 16 equipas.
No primeiro jogo, Sindelar despachou a França, forte favorita, com um 3-2 após prolongamento. Seguia-se a Hungria, num jogo disputado em Bolonha e que seria ainda mais difícil para os austríacos, quer pela qualidade do adversário, quer pela rivalidade entre as duas nações.
A Áustria venceu por 2-1 e seguiu para as meias-finais, onde cairia aos pés da Itália, que jogava em casa e era conhecida por ter um futebol excessivamente duro, até para a época.
Os 4 anos seguintes seriam usados para preparar o Mundial de 1938. A expectativa era grande, porque Meisl e Sindelar eram já estrelas do futebol da época e os jogos de preparação haviam sido quase todos vitoriosos. A um ano de se disputar o Mundial, a Áustria sofre um primeiro revés: Hugo Meisl, o icónico treinador, morreu de ataque cardíaco durante um dos treinos da equipa.
Matthias Sindelar reage em tempos de ditadura
A poucos meses de se disputar o Mundial, acontece o que ninguém previra uns anos antes: a Alemanha de Hitler anexa a Áustria e dissolve a selecção de Sindelar. Duas semanas depois, decide festejar o feito com um jogo amigável entre a extinta selecção da Áustria e a Alemanha – Sindelar pede para que os austríacos joguem de vermelho e branco, as cores da bandeira pré-anexação.
Num jogo disputado no Prater, em Viena, e com as bancadas cheias de militantes do partido nazi, Sindelar faz o 1-0 e assiste o 2-0, festejando intensamente cada um dos golos em frente à tribuna do fürher. Os alemães perdiam o jogo, mas rejubilavam por “ganhar” Sindelar para a sua selecção que haveria de disputar o Mundial.
Nada mais errado. Matthias Sindelar abandonou o futebol após esse jogo e recusou-se sempre a ser chamado para a selecção alemã, em protesto contra a anexação da Áustria. A Gestapo passou a vigiar todos os passos do jogador e da sua família a partir daí, incluindo a presença assídua num café do qual ele era proprietário.
Sindelar seria encontrado morto em Janeiro de 1939, poucos meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, em circunstâncias ainda hoje discutidas.
O futebol de Sindelar não morre
O que não morreria era o futebol de Sindelar e Meisl: bola na relva, finta, fuga ao choque físico e movimentação constante do jogador da frente de ataque, para confundir as marcações. Uma singularidade à época, mas um lugar-comum nos dias de hoje.
Muito podemos agradecer aos austríacos e a estes homens que mudaram o futebol.