Num país que tem clubes como Bayern Munique, Dortmund, Schalke 04, Leverkusen, Hamburgo ou Werder Bremen, como é que o maior clube de futebol de culto é o modesto St. Pauli?
O que é que faz desta associação desportiva uma das histórias mais bonitas do futebol mundial?
É isso que vamos descobrir neste artigo.
A Alemanha é um país com extrema paixão pelo futebol, desde o profissional ao amador, desde os escalões de formação até aos clubes que vemos todas as semanas na Bundesliga.
É um país onde as pessoas apoiam fundamentalmente o clube da sua terra, enchem os estádios, vivem o jogo de forma apaixonada e educada e convivem no dia de jogo como se de uma festa se tratasse.
É também o único país do mundo onde, por lei, os clubes de futebol têm que pertencer aos adeptos (51% do clube têm de estar nas mãos dos sócios).
Hamburgo, o quartel-general do St. Pauli
No Norte da Alemanha, junto ao Atlântico, fica Hamburgo, uma enorme cidade portuária com uma dinâmica muito própria.
Com quase 2 Milhões de habitantes, Hamburgo é uma das maiores e mais importantes cidades da Europa Central – pela sua localização geográfica, tem um porto marítimo de extrema importância, que liga rapidamente à Dinamarca, Holanda, Polónia e Suécia.
É uma cidade jovem, vibrante e onde os seus habitantes têm um de dois amores: ou o HSV ou o St. Pauli.
O HSV, ou Hamburgo, é um dos maiores clubes da Europa, com uma história riquíssima na Bundesliga e competições europeias, e que até há 2 anos atrás era a única equipa que nunca havia descido de divisão.
Tem um estádio com capacidade para quase 60 mil pessoas (maior que o Dragão ou Alvalade).
Do outro lado da cidade fica o St. Pauli. Tem um estádio com menos de metade da capacidade do rival.
Só por duas vezes esteve na Bundesliga, a principal divisão alemã, tendo em ambos os casos ficado em segundo lugar e tendo descido de divisão imediatamente.
Nunca venceu uma taça, por mais pequena que seja. Ainda assim, é dos clubes mais populares da Alemanha e adorados em todo o mundo.
Porquê? Muito pouco tem que ver com futebol, na verdade.
A origem de um Kult Club
O St. Pauli é conhecido na Alemanha como Kult Club, ou clube de culto, pela sua identidade e trabalho comunitário.
Desde muito cedo na sua fundação, nos anos 60, o clube esteve ligado a movimentos de extrema-esquerda e com um forte sentido de inclusão.
O estádio fica perto das docas e da baixa da cidade, o que desde logo permitiu a associação à classe trabalhadora e a franjas da população mais excluídas nos anos 80, como doentes com SIDA, trabalhadoras sexuais ou sem-abrigo.
Há dois grandes momentos na História do St. Pauli que tornaram o clube singular e adorado por muitos.
O primeiro é quando, ainda no fim dos anos 70, o clube decide ser o primeiro a banir qualquer tipo de manifestação de extrema-direita no seu estádio.
No auge do movimento hooligan, o clube baniu todo e qualquer adepto com associações fascistas, provocatórias e/ou violentas.
Ora, com este ato o clube conseguiu reunir a simpatia de todos aqueles que viam no surgimento dos movimentos de extrema-direita algo a evitar.
O segundo momento, poucos anos depois, é a associação com o movimento punk.
Com os Sex Pistols, Ramones, entre outros, em alta no mundo anglo-saxónico, o St. Pauli decidiu abraçar totalmente o movimento punk e convidar muitas das bandas para tocar no seu estádio, antes dos jogos.
No auge do movimento revolucionário na cultura, de misfits e freaks, o St. Pauli tornou-se uma causa comum, um clube de futebol que compreendia estas franjas da população e onde elas se podiam encontrar para celebrar o seu estilo de vida e o desporto.
Uma nova era
Apesar de nunca ter perdido a ligação ao proletariado, ao movimento punk e às docas, o St. Pauli nunca deixou de aderir às causas que considerou importantes.
Dos anos 90 até agora, o clube foi instrumental na maior visibilidade, entre outros, do movimento gay, do movimento pró-aborto, da luta anti-racista, feminista e de toda e qualquer forma de inclusão.
Em 2006, durante o Mundial na Alemanha, o St. Pauli decidiu organizar um Mundial Alternativo, com o apoio de um consórcio formado por casas de apostas.
Consistia num torneio disputado entre equipas que a FIFA até então não reconhecia. Estados como a Gronelândia, Tibete, Gibraltar ou Zanzibar.
O torneio foi um sucesso para estes países e as suas causas para a independência.
Num futebol onde os preços dos bilhetes estavam continuamente a aumentar, afastando as classes mais pobres do espetáculo ao vivo, o St. Pauli manteve os preços dos bilhetes para os seus jogos quase intocados, permitindo a todos os que adoram o clube vê-lo ao vivo e vibrar com o espectáculo.
Relativamente aos investidores, o St. Pauli é totalmente transparente – os adeptos sabem quais as empresas que patrocinam e financiam as atividades profissionais do clube e, mais importante, têm voto na matéria.
Muitas das causas podem ser novas, modernas, mas o espírito de inclusão, alternatividade e respeito pelos adeptos é o mesmo de sempre.
Muito além do futebol
Ao contrário da maioria dos clubes centro-europeus, o St. Pauli é um clube eclético e vive para muito mais que o futebol – tem secções de boxe, xadrez, ténis de mesa, rugby e até desportos pouco praticados na Europa, como o basebol ou o futebol americano.
Em todas estas modalidades, apresentam equipas masculinas e femininas.
Acima de tudo, há uma cultura, um traço identitário que atravessa todos os atletas e adeptos do St. Pauli – o desporto é uma plataforma de inclusão, de convívio e esse será sempre o seu objectivo último.
Para o St. Pauli não existe ‘vencer a todo o custo’, ou excessiva profissionalização.
É o estado mais puro da prática desportiva e comunitária. O estado mais puro de um culto à amizade e à compreensão.